sexta-feira, 21 de março de 2014

Hoje, eu tenho fé

Eu estou na Índia e ainda não realizei isso, talvez seja difícil digerir ou muito fácil, difícil explicar, nem parece que faz apenas um dia que eu estou aqui ou um dia e meio, parece que faz uma vida, uma hora, outros tantos dias, parece que eu nunca vim aqui, parece um tanto o tempo todo que eu sempre estive aqui. Eu cheguei na Índia ontem de tarde e só agora completou-se um dia inteiro. Já fui em Nova Delhi, já vi vacas, camelos e elefantes nas ruas, já vi gente sofrendo por um prato de comida, vi ateliês modernos de artistas descolados, alguns cartazes de filmes de Bollywood, vi pouquíssimos turistas como nas semanas que se passaram, já andei de tuk-tuk que aqui tem um nome diferente e que ainda não consigo pronunciar, já falei namastê e ainda não consegui aprender outro termo até que os meus olhos parem de palpitar, tirei fotografias com crianças e fiquei chocado ao ver algumas em estado deplorável me tocando por alguma esmola que fosse, peguei um trem na madrugada e dormi, comi chicken biryani que tanto amo e acordei hoje já em Jaipur, no Rajastão, a cidade-rosa com todas as suas mil e outras cores, fui dar uma volta na cidade e tudo acontece ao mesmo tempo, não para, é todo mundo na rua no tempo presente, agora e nunca mais, saí procurando algo que não achei, talvez um palácio ou um forte, e depois vi algumas pessoas dançando meio que escondidas a uma porta escancarada e resolvi entrar para ver o que era, era uma espécie de celebração pós-holi, a festa lindas das cores, só havia mulheres e todas com roupas típicas daquelas indianas que a gente sempre vê na tevê, o caminho das índias, estavam hoje dançando para krishna e lhe oferecendo todas as cores do mundo, do holi, me convidaram junto a uma amiga para participarmos da dança, da festa, da celebração, dançamos junto sorrindo e fomos pintados, eu um pouco de rosa e ela meio que amarelo cobre, registramos tudo e eu chorei um pouco na volta já no tuk-tuk, chorei de novo quando cheguei no hotel e dei parabéns pra Julia Branco que hoje faz vinte e oito, e talvez ainda esteja em estado de choque, não, não, talvez ainda esteja em estado de leveza, é isso que estou, a Índia é surreal e hoje eu tenho fé porque o sol brilhou pra mim mais uma vez. This is the incredible India. Não sei ainda o que vai acontecer, se é que vai acontecer, pois ela te transforma em algo sem que você saiba muito bem em quê. 


quarta-feira, 19 de março de 2014

Um elefante, alguns monges descontraídos, um pôr-do-sol vermelho e uma nova história de amor para sempre

Cheguei ao Laos como não se costuma chegar. Fui de avião partindo de Chiang Mai, no norte da Tailândia, passagem um pouco cara para os padrões locais. Dizem que de barco é mais legal e muito mais barato, mas queria acompanhar Thiago e Flávia (do Depois da próxima viagem), que havia encontrado poucos dias antes, e matar um pouquinho da saudade do Brasil e dos amigos. Cheguei ao Laos sem muito planejar, aterrissei em Luang Prabang sem saber quanto tempo queria ficar, cheguei de peito aberto e completamente despreparado para o acaso e logo na chegada fui recebido com um Sabaidee, a palavra mais bonita que já ouvi na vida, e dali em diante foi um sorriso só.

Acho estranho que a maioria dos turistas que se arrisca por essas bandas praticamente ignora o Laos, restringindo-se à Tailândia e à Angkor Wat no Camboja, às vezes Vietnã, mas quase nunca o Laos (e o Myanmar, um dos meus próximos destinos). Não sabem o que estão perdendo, porque o mundo é logo aqui. Thiago e Flávia ficaram apenas três noites, tempo suficiente para desbravarmos o Night Market, um grande espetáculo de cores, sabores e sorrisos, onde eu gastaria algumas horinhas quase todos os dias, um belo menu degustação no Tamarind Restaurant, uma visitinha à Kuang Si, uma linda cachoeira de água azul e gelada, o primeiro contato com a ronda das almas, que acontece todos os dias entre cinco e sete da manhã, com a população e os turistas ofertando comida aos monges, em sua maioria descontraídos e sorridentes, visitamos o Grand Palace, que contém um museu legal e otras cositas más, subimos no templo mais alto da cidade, de onde pode-se ver o encontro dos rios e um overview da cidade depois da subida dos quase 400 degraus, fizemos massagem nos pés no final da rua principal, demos uma passadinha no Utopia, um dos bares mais legais de toda a viagem, e experimentamos uma espécie de mix de churrasco local com fondue no Lao Lao Garden. Foram dias muito bons e intensos, mas os dois estavam de partida para Hanói e logo eu já estava sozinho novamente.

Troquei de hotel e não gostei muito do que encontrei. Fiquei mais ou menos dois dias vagando entre cafés e padarias deliciosos, resquícios da colonização francesa, quando decidi passar uma tarde apenas escrevendo na Joma Bakery, que contém um dos melhores Lao Coffees de Luang Prabang, e ouvi um casal conversando em português. Mesmo um pouco tímido, o que ainda me atrapalha em algumas partes da viagem, puxei conversa e rapidamente me apaixonei por Elohim e Renata. Sabe aquele entrosamento natural em tom de prosa leve e que flui doce a caminho da amizade que se anuncia? Foi assim. Além de muito gentis, não ligaram para o fato de estarem em lua de mel (ou pelo menos não me contaram!), presente-delícia de seus amigos paulistas e paranaenses, e ficamos conversando por horas e horas e horas, e depois decidimos ir juntos à Kuang Si, onde dessa vez pulei de uma árvore e foi delicioso. E assim, naturalmente decidimos fazer um passeio de elefante no dia seguinte. No começo, fiquei um pouco sem graça, porque afinal né?, lua de mel é lua de mel. Mas, os caras são tão camaradas, descolados, descontraídos e legais que logo já tínhamos nos esquecido daquele simples detalhe. O passeio de elefante foi um dos momentos mais importantes da viagem, contei aqui outro dia, e além de nós havia um casal holandês muito legal que mais tarde encontraria em Vang Vieng, outra cidade mais ao sul do Laos onde fiz o Tubing, visitei a lagoa azul e conheci os queridíssimos Ahmet (do Sudão) e Mark (da Espanha Catalunha, que tirou essa belíssima foto e nos prometemos encontrar logo mais em Barcelona).

Elohim e Renata me indicaram a pousada que estavam – Philaylack Guest House, que também indico – e logo me instalei em um quarto com ar-condicionado por 16 dólares. Como viajo sozinho, sempre acabo pagando um pouco mais caro que todo mundo, mas não tenho aberto mão do conforto. Os quase seis meses de viagem às vezes pesam, visse? Nem me importo mais. Depois de um belo banho com o elefante, visitamos um templo-caverna muito interessante do lado de lá do Mekong e depois uma vila que fabrica whisky a partir do arroz, que não achamos muito legal. No dia seguinte, eles resolveram andar de moto e foi aí que tomei coragem, após quase um mês na Ásia, de me arriscar pela primeira vez numa magrela. Sim, eu estava morrendo de medo, mesmo automática e muito fácil de guiar, e Elohim não pensou muito antes de me encorajar. Foi um desafio e tanto. Quando vi, já estava passando por rodovias, estradas de terra e pontes de bambu, algumas paradinhas para pedir informação, capacete que voou na estrada e até pilotei à noite depois de uma cerveja ou outra na beira do rio. Ficamos surpresos com a visita no Ock Pop Tok, uma associação que incentiva as artesãs locais e que possui um belíssimo café à beira do Mekong, fomos presenteados pelo canto dos monges às quatro da tarde em um dos templos mais lindos e calmos da cidade e, ao final do dia, depois de um delicioso papo com um dos monges mais descolados, descobrimos um boteco na junção do Mekong com o Nam Khan e tivemos o pôr-do-sol mais inesquecível da vida ao silêncio brado dos barcos que cruzavam o rio ao anoitecer.

Em Luang Prabang, comprei um dicionário local, escrevi um bucado, comi peixe na brasa e muita comida local, quase não bebi e fiz novos e bons amigos. No último dia, conheci ainda Ludmy e Átila, do Vou Contigo, que estão me esperando na Índia para o próximo mês disso que já não sei se chamo mais por viagem. No Laos, ainda existe o toque de recolher à meia-noite, por mais que alguns turistas ainda consigam driblar as regras e ir parar num boliche em plena madrugada. Eu não precisei, pois o ritmo lento de se apenas existir naquele lugar já me bastava. Foi muito amor à primeira vista, à segunda, à terceira, teria muitas outras tantas dicas e coisas para falar, mas prefiro fazer pessoalmente no próximo boteco. Foram quase vinte dias inesquecíveis naquela terrinha que já não tem mais os milhões de elefantes de outrora, mas que nutre muita hospitalidade, alegria à base de sorriso e a simplicidade de um povo autêntico e amável que só. Entrei aprendendo Sabaidee e saí dizendo obrigado pra todo mundo e ei de voltar muito em breve. Khop Chai Lai Lai, Laos! Você agora é parte de mim.

sexta-feira, 14 de março de 2014

Um dia de fúria

Na viagem, também temos dias de fúria. São mais raros do que o contrário, mas acontecem, e quando acontecem sai de baixo. Desde que cheguei a Bangkok, tem sido confusão atrás de confusão. Reencontrei amigos que não puderam embarcar porque não tinham visto para o país de destino, o calor tá de matar e é praticamente insuportável ficar na rua durante boa parte do dia, o curso de massagem que eu queria fazer é absurdamente caro para os padrões locais, os hostels e as guest houses são relativamente mais caras e menos confortáveis do que em outros lugares, todos dizem ter um milhão de coisas para se fazer aqui, e deve ter mesmo, mas nada tem me apetecido tanto.

Até aí tudo bem, bastasse mudar de cidade ou me dedicar um pouco à escrita, mas não posso porque o meu passaporte está retido em uma Embaixada. O máximo que posso é fazer uma excursão até a cidadezinha ao lado, que não descarto de modo algum. Bangkok é bonita, maluca, grande, mas talvez tivesse me encantado mais se tivesse sido a minha porta de entrada nessa parte do mundo, mas já fui alguns outros lugares da Tailândia, à Indonésia e ao Laos, então passa a não ter tanta graça quanto pudesse. Há muito o que se fazer aqui, mas como estou de partida para a Índia e o Nepal em breve, lugares que sempre sonhei, pensei que aqui pudesse ser um bom pit stop para organizar algumas coisinhas, principalmente no Brasil, e ter mais acesso às necessidades básicas do dia-a-dia, como a internet.

E é aí que tudo começou. Além de paga na maioria dos lugares, é horrível. O site do Banco do Brasil, que é era muito bom e nunca tinha falhado até aqui, resolveu ter um novo sistema de segurança que simplesmente não funciona no meu computador, a Unimed resolveu aumentar o valor do meu plano e exigir uma assinatura para a continuidade, as contas estão atrasadas, tenho que pagar o IPVA e as coisas do carro que está lá quietinho na garagem, realmente gostaria de poder pesquisar um pouco mais sobre a Índia antes de me arriscar por lá, que dizem ser danada de complicada, gostaria também de poder matar a saudade de algumas pessoas, mas o Skype não rola nem por telepatia.

A viagem é boa, está boa, é transformadora e eu não estou triste, longe disso e talvez esse post soe muito como #classemédiasofre, mas às vezes tenho alguns dias de fúria mesmo, que me perdoe essa culpa que recai sobre as minhas costas agora. Tive todas as senhas bloqueadas, tanto da internet quanto do telefone, tenho um milhão de coisas para fazer que dependo do banco e da internet e estou praticamente anulado. De quebra, o banco só oferece duas opções para entrar em contato do estrangeiro: o 0800 (que é impossível e não funciona em nenhum lugar do mundo) e um número que dizem poder ligar a cobrar, mas que exige uma senha que eu tenho e agora dizem também estar bloqueada e que devo ir a um caixa eletrônico do Banco do Brasil para resolver... aqui, nem sabem muito bem aonde fica o Brasil.

A sorte é que ainda tenho algum dinheiro e muitas pessoas que podem me ajudar no Brasil  (Val, Julia e Pai, obrigado!!!). Fazer novos amigos em Bangkok também tem sido difícil, o ritmo da cidade é frenético e quase todo mundo está aqui de passagem. Aos que vivem, valem-lhe outras opções além do circuito turístico, difícil de serem descobertas, quiçá exploradas. A solidão às vezes é um abandono e recorrer ao blog talvez faça bem. Acho que já passei da metade da viagem, mas ainda tem muito chão pela frente. Sei que é um dia após o outro, que ainda virão coisas maravilhosas e que este não é um problema tão grande assim, inclusive consegui postar esse texto (depois de algumas horas, é verdade) e juro que não vou reclamar mais, isso aqui é um presente de Deus! Mas, quando se está do outro lado do mundo e não há nada de pró-atividade que lhe seja suficiente, aí o bicho pega e o choro vem. Impotência e inoperância transformam-te um dia de céu azul e pôr do sol laranja em um dia do cão.

Pra amenizar, fui lá e fiz uma nova tattoo... Simples assim. A foto não está tão boa, coisas da emoção do momento, mas está escrito “sabaidee” que, em Laos, é uma espécie de Oi/Olá no sentido de saudação. Se pronuncia "sabaideeeee" e é uma delícia de ser falado e ouvido. A escolhi não apenas pela grafia bonita => ສະບາຍດີ <= e pela sonoridade mais linda da vida, mas também por ter conhecido as pessoas mais dóceis da minha vida por lá. Num país de apenas poucos milhões de habitantes, o que não lhes falta é um bom sorriso no rosto e boa vontade ininterrupta. Amei aquela gente, aquele povo, aquelas paisagens, tive o pôr-do-sol mais bonito da minha vida, fiz bons amigos, tentei domar um elefante e tudo o que já contei outro dia por aqui, e agora carrego mais essa parte do mundo comigo. E é pra sempre.


Sabaidee!!!
=)

terça-feira, 11 de março de 2014

Turista ou viajante?


Já vi muita gente falando sobre esse assunto, já me peguei mil vezes falando sobre isso, que tal programa era turístico demais ou que tal lugar tinha gente demais, aqui na viagem é pauta praticamente diária e todo dia sempre vem um puxar papo comigo sobre isso. Viajante ou turista? Por que não os dois? Sou viajante com cara de turista atualmente, já fui turista em muitas e muitas ocasiões, me formei em turismo na universidade, muito embora nunca tenha atuado efetivamente mas, sobretudo, sou uma pessoa bastante estranha e complexa, curiosa e preguiçosa, aberta e fechada, animada e cansada, pobre e rica, bonita e feia, feliz e triste, sou de tudo um pouco ao mesmo tempo e ainda assim não me taxo por isso ou aquilo. Prefiro me ser e, voilá, já anda tão difícil ser a gente mesmo, não é?

No fundo, penso que não há diferença alguma entre turista e viajante, entre eu e você, entre o seu amigo rico ou o seu colega europeu mochileiro. Estamos todos no mesmo balaio, no tempo presente, e o maior desafio está bem longe de simplesmente conseguirmos dar um nome melhor pra qualquer coisa que seja. Turista é isso, viajante é aquilo, somos todos gente (e todos tínhamos que ter consciência de que o simples fato de viajar nos dias de hoje já é um privilégio de poucos...). Um tanto de gente procurando algo novo, procurando o diferente, procurando o encontro com qualquer coisa que seja, o reencontro consigo mesmo, um tanto de gente com motivações ímpares e um dinheiro que caiba no bolso para explorar. Nessa viagem, já tive dias de rico, já fui pobre por opção em quartos coletivos e restaurantes baratos, já fui trapaceado por taxistas e vendedores, nunca tenho certeza do que estou fazendo, sou viajante por um certo tempo e nunca fui tão turista na minha vida. Quanto mais viajo, mais me sinto perdido. Li esse texto que colocaram no colo da Cecília Meireles, confesso que não procurei afundo se é de sua autoria ou não, mas bem cabe à discussão.

"Grande é a diferença entre o turista e o viajante.

O primeiro é uma criatura feliz, que parte por este mundo com a sua máquina fotográfica a tiracolo, o guia no bolso, um sucinto vocabulário entre os dentes: seu destino é caminhar pela superfície das coisas, como do mundo, com a curiosidade suficiente para passar de um ponto a outro, olhando o que lhe apontam, comprando o que lhe agrada, expedindo muitos postais, tudo com uma agradável fluidez, sem apego nem compromisso, uma vez que já sabe, por experiência, que há sempre uma paisagem por detrás da outra, e o dia seguinte lhe dará tantas surpresas quanto a véspera.

O viajante é criatura menos feliz, de movimentos mais vagarosos, todo enredado em afetos, querendo morar em cada coisa, descer à origem de tudo, amar loucamente cada aspecto do caminho, desde as pedras mais toscas às mais sublimadas almas do passado, do presente e até do futuro – um futuro que ele nem conhecerá. O turista murmura como pode o idioma do lugar que atravessa, e considera-se inteligente e venturoso se consegue ser entendido numa loja, numa rua, num hotel.

O viajante dá para descobrir semelhanças e diferenças de linguagem, perfura dicionários, procura raízes, descobre um mundo histórico, filosófico, religioso e poético em palavras aparentemente banais; entra em livrarias, em bibliotecas, compra alfarrábios, deslumbra-se a mirar aqueles foscos papéis e leve, para tomar um apontamento, mais tempo que o turista em percorrer uma cidade inteira. Quando lhe dizem que há sol, que o dia é belo, que é preciso sair do hotel, caminha como empurrado, cheio de saudade daqueles alfabetos, daqueles misteriosos jogos de consoantes, daquelas fantasmagorias das declinações.

Porta-se diante de um monumento, e começa outra vez a descobrir coisas: é um pedaço de coluna, é uma porta que esteve noutro lugar, é uma estátua cuja família anda dispersa pelo mundo, é o desenho de uma janela, é a cabeça de um anjo que lhe conta sua existência, são as figuras que saem dos quadros e vêm conversar sobre as relações entre a vida e a pintura, é uma pedra que o arrebata para o seu abismo interior e o cativa entre suas coloridas paredes transparentes.

O turista já andou léguas, já gastou a sola dos sapatos e todos os rolos da máquina – e o viajante continua ali, aprisionado, inerme, sem máquina, sem prospectos, sem lápis, só com os seus olhos, a sua memória, o seu amor".

Na minha viagem, já fiz de tudo um pouco e talvez não seja nem viajante e nem turista, mas possivelmente os dois ao mesmo tempo. Sou também escritor, tem vezes, aluno em outras, já fui guia de turistas perdidos, tenho sido corajoso na maioria das ocasiões, mas tenho uma pitada de medo sempre também, me sinto constantemente perdido em qualquer lugar novo que eu piso, mas estou bem disposto e entregue ao tempo presente, evidentemente cheio de amor. É preciso respeito, respeito, respeito, três vezes pra jamais esquecer. Fiz mais amigos turistas do que viajantes. Não acho legal essa história de viajante ter que, por obrigação, gastar menos que turista. Não acho legal isso de ser perguntado todos os dias sobre o preço das coisas e ver todo mundo achando tudo muito caro. Não gosto do olhar torto de alguns com o meu mochilão sujo dentro de um hotel boutique, não gosto que me achem novo demais para o que fiz nos últimos anos ou velho demais para o que estou fazendo. Alguns ainda me dizem loucos por ter largado tudo. Ou quase tudo. Talvez, no final das contas, a felicidade seja igual pra todo mundo, independente do dinheiro que se gasta, da distância que se viaje, do tipo de viagem que se faça, porque aqui não se trata de esquerda e direita, muito embora quase tudo no mundo o seja, não se trata do preconceito recíproco que sempre vejo por aí, se trata apenas de realizar ou tocar em algo ainda escondidinho lá no fundo do útero. E tão somente. Por que achar bobagem isso de querer viajar mais barato? Por que não respeitar os outros turistas que estão ao mesmo tempo que você no templo mais visitado da cidade? Afinal, escolhemos isso pra gente e essa escolha exige muita paciência, e que assim seja, então. 

Hoje pela manhã, fui à Embaixada da Índia e me mandaram três vezes de volta para a mesma fila por um erro deles. Eu sabia e talvez no Brasil ficasse nervosinho e com raiva, talvez fosse reclamar com alguém, mas estou aqui do outro lado do mundo sem ninguém, só comigo e com essa meia dúzia de bons corações que cruzei, achei melhor respirar fundo, sorrir e escrever um pouquinho porque amanhã a viagem sempre continua. Tinha tanto turista quanto viajante lá na Embaixada, no clichê máximo da questão, e ambos, nessa hora, não passam de estrangeiros. Fora de casa, a gente acaba sendo apenas isso: um estranho. Nem todo lugar vai ter um motorista de tuk-tuk legal e que goste de filmes pornôs, nem sempre você vai conhecer muita gente quanto acha que poderia, volta e meia sempre aparecerá um chato de galocha à sua frente, nem todo templo será lindo como o primeiro que você viu, nem toda ilha será paradisíaca, nem todo monge será sorridente e gentil, nem todo viajante será legal, tampouco os turistas, uma hora vai chover, uma hora você vai cansar e querer apenas dormir, uma hora você vai se culpar por estar num hotel mais caro, em outras vai se achar o cocô do cavalo do bandido por estar em um hostel, nem sempre haverá festas e sorrisos e nem toda criança terá um sorriso mau humorado e lindo no rosto como essa da foto. Bom mesmo é saber, ao menos, que bem lá no fundo existem mesmo apenas dois tipos de turistas ou viajantes: os babacas e os não babacas. Os meus amigos são todos lindos, talvez não por escolha, mas por apenas serem, o que lhes basta, e na semana que vem estou indo para a Índia com mais alguns deles ou talvez faça novos, ainda não sei. Nos vemos por aí. Ou você deixaria de ir ver o Taj Mahal por que tem muito turista?

domingo, 2 de março de 2014

quanto custa uma viagem?

sou produtor, gestor, sistemático e tarado das planilhas, então é claro que fiz um mini-planejamento financeiro para a minha viagem. a excelente notícia do dia é que, em cinco meses entre europa e ásia - mesmo sem saber onde colocar Istambul nessa história -, economizei tanto em hospedagem, quanto em gastos gerais como comida, ingressos, compras, passagens, etc. foi bem mais do que eu precisava, sem dúvida que tive alguns muitos luxos e poderia ter procurado mais hospedagens gratuitas ou cozinhado, por exemplo, mas bem menos do que eu esperava.

economizei, vi o papa a pouquíssimos metros de distância, a cachoeira de água quente mais linda da minha vida, fiquei de carro uma semana inteirinha pela toscana, vi a neve pela primeira vez com a bárbara, que me recebeu em munique e hoje é uma grande querida, fiquei quinze dias loucos em berlim, tive uma semana inesquecível em amsterdã e conheci muitas pessoas legais, uma das noites mais surreais em londres, quando voltei de tuk-tuk para casa ou quando me perdi com o dedé por algumas ruas escuras, fui a um dos castelos mais bonitos da vida com a juju, passei um mês com a julia em roma e istambul, enfiei muitos sonhos na mala e despi-me de outros, fui à praia dos meus sonhos na tailândia, vi gente tatuar o nome do melhor amigo na bunda de madrugada, fiz a minha primeira tatuagem também, visitei templos, usei sarong, tomei café de cocô de um bicho estranho em bali, fiz aulas de culinária, peguei em macaco, vi dança balinesa, conversei com monges, fui abençoado mais de uma vez, entrei na jaula de um tigre, tentei domar um elefante arisco, joguei xadrez em indonésio, ajudei amigo recém conhecido a achar o hospital mais próximo, andei de moto pela primeira vez, conheci gente e mais gente, fiquei sozinho em muitas ocasiões, tive saudades e fiquei triste, chorei algumas vezes, mas não passei perrengue nenhum dia, me hospedei sozinho quase sempre num quarto single com banheiro próprio, comi os pratos que quis, todos os sorvetes de roma e os deliciosos kebaps de istambul, comprei uma bota, um mochilão, uma camisa do brasil, um buda amarelo e outro vermelho, muitas meias e uma jaqueta de frio pesado, coisas caras na europa, decidi ir para a indonésia de um dia para o outro e ainda vou ficar mais alguns meses perambulando por laos, camboja, vietnã, myanmar, tailândia e sabe-se lá deus mais o quê. talvez filipinas ou butão?

gastei mais do que eu precisava, sem dúvida alguma, mas no final das contas não mudaria uma vírgula nisso tudo. muita gente acha que viajar é caro. e é caro sim, muito. mas pensando que no brasil eu também teria que almoçar todos os dias, provavelmente viajar, dar presentes de natal, beber bastante, comer fora, pagar todas as contas, além de tudo aquilo que a gente gasta e que no final é uma bobagem, penso que se for possível juntar uma boa graninha é bem tranquilo ficar um tempo longo viajando. tem vários sites que dão dicas de preços e média de custos, o que não é o meu caso...

outro dia, vi uma menina (que ficou bem famosa na internet) dizer que ficou 3 meses sem grana na europa. acho bem poético, divertido, desafiador e libertador, até trocamos alguns e-mails, mas não acredito que seja 100% possível. é muito into the wild e praticamente impossível se sobreviver sem um euro que seja no bolso. mas é possível viajar barato. considero os meus custos "altos" ou "médios", mas eu me planejei para isso. o dinheiro anda bem caro também. mas, se você topar gastar boa parte do seu tempo buscando couchsurfers para se hospedar e topar ser o taradão do supermercado e cozinhar todo os dias, dá para fazer a viagem por bem menos, com muito pouco dinheiro. existem guest houses, hostels e muitas outras possibilidades na ásia, por exemplo, por cinco a dez dólares por dia. tenho pagado algo entre quinze e vinte, em média. rola de encarar mais tuk-tuks e transportes quase clandestinos também, é uma aventura só. conheço alguns viajantes que me condenam por pagar vinte dólares para me hospedar num lugar confortável e com piscina. viajando de dois, sai ainda mais barato. conheço gente que paga muito menos, gente que paga muito mais. a máxima é que todos estão fazendo a viagem que escolheram para si e é isso que importa. não vou ser hipócrita de dizer que é uma coisa fácil e acessível a todos, pois não é, ainda mais na situação que vivemos. mas, tampouco recalque como alguns andaram dizendo por aí. vou no meu ritmo e me propus algo variado, que pegasse um pouco de tudo e ainda vou ficar num hotel cinco estrelas, surfar na casa de alguém e com certeza passarei um perrengue sem lugar pra dormir.

mas, a conta está em dia. estou feliz, tive alguns dos melhores e mais plenos dias da minha vida. ontem, vi um pôr-do-sol vermelho-laranja e alguns lindos monges cantando em um templo maravilhoso. outro dia, um amigo disse que esse era o maior investimento que eu poderia ter feito em mim mesmo. já eu, vou adiante. isto é a vida que eu escolhi pra mim por um ano e, por mais que custe muito ou que seja mais uma máxima clichê, não há dinheiro que pague e começaria tudo de novo. e na próxima eu pularia a europa, sem pensar duas vezes. a ásia é puro amor.