domingo, 2 de fevereiro de 2014

Istambul, they call it chaos we call it home

Não pense muito. Simplesmente vá, se jogue e fique o máximo de tempo que puder em Istambul. Julia me acompanhou nesta parte da viagem e tivemos 20 dias inesquecíveis por lá.

Quando tomei o avião em Roma (que custou cerca de 150 euros, com pouquíssima antecedência) já tinha alguma ideia do que iria ver, mas nada perto do que senti. Como Berlim ou São Paulo, não é uma cidade apenas para se ver, é preciso viver um pouco dela para tentar entender. Ainda no aeroporto, experimentamos um tradicional pão turco antes de pegarmos o taksi com um velhinho muito gentil, que nos apresentou um pouco da cidade à sua maneira. Era noite e achei tudo um pouco confuso, mas rapidamente entendi que Istambul se divide mais ou menos em três partes turísticas principais: a Cidade Velha, onde está a maioria dos monumentos, das mesquitas e dos bazares mais famosos (na parte europeia, em Sultanahmet); a região de Galata e Taksim, onde ficam as coisas mais modernas, os bares, os centros culturais e o pessoal mais descolado (ainda na parte europeia); e a área asiática, com destaque para Uskudar e Kadykoy, onde se encontra uma vida turca mais real, se é que isso pode ser dito.

Ficamos hospedados na região de Taksim, em Beyoglu, e acertamos muito bem na escolha. Muito embora as atrações mais tradicionais estejam na Cidade Velha, é em Taksim que o mundo se encontra. Lá estão os melhores restaurantes, as galerias de arte mais legais, um povo mais gentil e acolhedor, além da Istiklal Cd, que é uma espécie de Avenida Paulista deles, onde quase tudo acontece. Istambul é relativamente mais barata que a Europa Ocidental e possui preços muitos semelhantes aos do Brasil. Uma lira turca vale mais ou menos um real e dez centavos, então quase nada é absurdamente caro. Escolhemos ficar em um pequeno apartamento via AirBnb na Eski Çiçekçi Sk e a diária média foi de 45 euros por dia. É possível achar coisa mais barata, se estiver com pouca grana, e existem muitos hotéis confortáveis também. Mas, estávamos a dois minutos da Istiklal e a vinte e cinco minutos a pé da Cidade Velha (onde se pode ir de tram também, em cinco ou dez minutos), e achamos a região ideal para a nossa ausência completa de pretensões. Apesar de ser perto de uma ladeira, estávamos na parte de cima e quase nunca subíamos os belos morros de Beyoglu que, uma hora ou outra, você terá de encarar de qualquer maneira. Anyway, respire fundo e vá na fé. Outra região que nos pareceu muito estratégica é Galata, nas proximidades de Galata Tower que, diga-se, tem uma vista exuberante. Cafés descolados, restaurantes mais em conta e pertinho da ponte que liga Taksim à Cidade Velha. Foi lá que nos deliciamos na loja de lomográficas (com preços bem melhores que no Brasil) e, desde então, carrego comigo os meus mais novos brinquedinhos: uma Mini Diana F+ e uma Fisheye 2.

Fizemos muitas coisas em 20 dias e ficaríamos mais com certeza. Vá no seu tempo, o que é mais importante, e se entregue às delícias que os turcos nos oferecem. Se tiver só cinco dias, vá mesmo assim. Prefiro não sugerir nenhum tipo de roteiro, tampouco uma quantidade ideal de dias, mas deixo aqui algumas impressões sobre o que mais gostei.


Em primeiro lugar, a comida. Que coisa fantástica! Experimente os milhões de kebaps que eles oferecem nas ruas, delicie-se com todos os iogurtes possíveis, arrisque-se ao menos uma vez por dia a comer uma coisa nova e se assente em um dos muitos cafés para tomar um çay ao final da tarde ou ao menos um tradicional café turco em qualquer um dos terraços de Taksim. Os bazares também são um espetáculo à parte. No Gran Bazaar, você encontra tudo o que precisa na vida. Julia se deliciou com os famosos panos turcos a preços muito bons, além de lindos, já eu retomei a minha paixão pelo xadrez – esquecida em algum cantinho da memória – e me esbaldei com tabuleiros e peças absolutamente incríveis. Já no Bazar das Especiarias, vale muito à pena se deixar levar pelos cheiros e pelas cores deliciosas, além de sempre parar para barganhar um pouquinho. Além de muito gentis, os turcos adoram os brasileiros e sabem que somos muito mais cascas grossas do que os europeus ou os americanos. Nunca pague o preço inicial e, mesmo que não compre, barganhar faz parte da cultura e é um bom exercício para aprender algumas palavras novas. Sempre comece com merhaba (me-rrá-ba), que é um modo gentil de se dizer oi. Os turcos, nesse sentido, são geralmente turcos como a gente espera e no melhor sentido da palavra. Topam vender qualquer coisa e você vai encontrar lojas o tempo todo e em todos os lugares. Escolha a que te oferecer o melhor chá e vá em frente.

As Mesquitas também são imperdíveis. Algumas são mais bonitas por fora, outras por dentro, algumas mais charmosas, outras mais imponentes. Leve muitas baterias e memory cards para a sua câmera, você não vai parar de clicar um instante sequer. Eu, particularmente, amei a Mesquita de Suleymaniye e a “Mesquitinha” que fica no meio da praça entre as imperdíveis Hagia Sophia e Mesquita Azul na região de Sultanahmet, na Cidade Velha. Perca algum tempo por ali, não deixe de se arriscar clandestinamente em um momento de prece e maravilhe-se com o som que vem de todas as partes da cidade por volta de 18h15.

Talvez seja apenas uma feliz coincidência, mas em cada esquina de Istambul sempre haverá um Baris à sua espera. O moço que nos alugou o apartamento se chamava Baris – e foi uma espécie de anfitrião muito gentil, o qual recomendo –, bem como o meu tatuador. Sim, me arrisquei em Istambul e realizei um sonho de tempos. Julia também (ela tatuou poema que, em turco, escreve-se çiir e pronuncia-se chí-ir). Nos empolgamos e valeu muito à pena. Se houver algum Baris na rua, provavelmente será nosso amigo também. Vá lá e manda um merhaba que tá tudo certo, certamente ele vai te indicar um bom restaurante.

Não deixe de ir ao lado asiático. Lá, talvez não haja muitos pontos turísticos famosos para se visitar, mas me deliciei naquela parte da cidade. Além de ser mais local – e possuir mais muçulmanos, o que não é lá muito comum na região de Taksim –, tudo é um pouco mais barato, bagunçado e a comida é deliciosa. Você entra em contato com uma Istambul mais real e, de quebra, ainda pisa na Ásia. É lá também que está o estádio do Fenerbahçe. Depois de um tempo, descobri que Istambul é mais ou menos como Beagá. Primeiro, querem saber o time que você torce, para depois gostarem de você. Ou não. Cruzeiro, Atlético e América estão para Fenerbahçe, Galatasaray e Besiktas, respectivamente. Mais tarde, descobri que o meu time na Turquia é o Galatasaray, mas isto é pauta para outro post que está guardadinho aqui na caixa. Contudo, como todo bom cruzeirense, fui atrás da estátua do Alex, que é adorado por todos os turcos do oriente e carinhosamente reverenciado como Buyuk Kaptan Alex de Souza. Na hora de barganhar, lembre-se dele. A não ser que sejam Galatasaray roxos, você terá um bom desconto ou, no mínimo, um papo descontraído. Alex é o meu maior ídolo, dispensa quaisquer comentários e isso me aproximou muito dos turcos. A viagem de ferry em si também é muito agradável, faça ao menos um passeio no Bósforo (que sai um pouco mais caro do que um bate-volta em Uskudar) e se delicie com a paisagem. No fim da tarde, escolha um dos cafés à beira-mar e aprecie a paisagem com vista para Beyoglu, Besiktas e Sultanahmet.

O banho turco é uma experiência diferente. Eu, particularmente, não acho que seja imperdível, mas se você tiver tempo pode ser bastante agradável. Sai por 35 euros e leva aproximadamente uma hora e meia. Achei mais turístico do que bom, assim como o Palácio Topkapi, mas não deixa de ser relaxante. Foi uma das noites em que dormi melhor por lá. Pare na Istiklal para ouvir os músicos de rua. Eles são muito bons e nos arrepiamos com o que encontramos. Quando percebemos, já estávamos dançando no meio da rua junto com um tanto de gente feliz e um canto que vem do coração e sai da garganta em forma de prece. Música que vem da alma. Vá também a um show de música turca (sugestão: Kolektif Istanbul | Música balcânica) e não deixe de ir a um Derwish, uma espécie de rito-dança local. É um pouco caro, mas vale à pena. Se tiver tempo, vá também a uma das muitas cisternas espalhadas pela cidade. Escolhemos a Cisterna da Basílica, que é a mais famosa, e rodamos o dedo no forévis da Medusa, pois dizem que dá sorte. Vai que, né?


O Museu da Inocência é uma experiência muito legal. Tive até vontade de fazer igual ao Sr. Pamuk (vencedor do Nobel de literatura e autor de Museu da Inocência, entre outros), que criou o museu homônimo em referência ao livro. Se tiver o livro, leve-o que não precisa pagar o tíquete e ainda ganha um carimbo do museu de lembrança. Na noite do natal, decidimos cozinhar e foi uma aventura completa. No final, após muita correria atrás de ingredientes, tivemos um bom frango com arroz para matar a saudade da comidinha da mamãe. No réveillon, decidimos ficar perto de casa mesmo e não foi menos incrível. Os turcos não dão tanta bola para a festa, mas todos vão para a rua. Nos embebedamos com algumas cervejas (que são carerérrimas nos bares, tipo 20 reais) e ficamos perdidos pelas ruas de Taksim. Assistir aos fogos em Besiktas e redondezas talvez seja um programa mais certeiro, mas acabou que gostamos bastante da estranheza daquele que passamos a chamar de “nosso bairro”.

Mas, Istambul não é só isso. É isso e muito mais. De guia, sugiro o Lonely Planet específico sobre a cidade (com versão em português, que é de grande valia). Mas, permita-se perder pelas ruas estreitas da cidade porque também é delicioso. Das comidas, como havia dito, gostei muito de todos os kebaps e iogurtes, mas amei também os pães pita, a pide (pizza turca), os bufes malucos com uma espécie de self-service, os espetinhos de mexilhões e os peixes na rua (que eles chamam de fish fish), além dos lahmacuns, dos sucos de romã e de restaurantes como o Gani Gani, onde se come a mais deliciosa comida otomana sentado numa confortável mesinha no chão. Tente um baklava ou um sorvete turco de sobremesa. De quebra, ainda pegamos dois ou três protestos na região onde nos hospedamos. Nada muito agressivo, a não ser por parte da polícia, como sempre. Eu voltaria a Istambul sem pensar duas vezes. Voltaria duas, três, quatro vezes. É uma cultura diferente, um mundo diferente, mas é tudo tão igual e bagunçado quanto no Brasil que me senti em casa o tempo todo.


Teria muitas outras coisas para dizer, é só me convidar para um café dia desses que prometo contar tudo o que vier à memória. Istambul é caótica e, ainda assim, não há como não amá-la. Tente ir a um jogo de futebol e descubra qual é o seu time turco, aprenda ao menos uma palavra nova para contar aos amigos. É uma das cidades que mais gostei na vida e jamais vou esquecer de todos os seus cheiros, das cores, das comidas e de todos os Baris que encontrei pelas ruas. Que cultura linda, que povo lindo, que cidade linda! Melhor ainda se houvesse de caber no bolso com um pouquinho da música que vem de dentro, da comida que cheira vida e da certeza de ser parte de. O mundo é logo ali, they call it chaos we call it home, e agora carrego três partes dele em mim. E para sempre.

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