Hoje é dia 12 de fevereiro.
Amanhã é aniversário do Terezo e depois da Juju, ou o contrário. Nunca fui bom
com datas, mas sempre os carrego aqui num lugar bem confortável do peito, primos-irmãos
mais que queridos. Terezo teve filho outro dia, Pedro, não pude lhe dar as mãos
ou um carinho sequer. Com Juju tive encontro recente, parece que foi ontem, mas
lá se vão quase cinco meses. Me enche todo de orgulho com o seu francês de
francês e aquela sensação do dever cumprido lá do outro lado do oceano. E assim
como Juju e Terezo, tantos outros queridos e tantas outras datas têm
simplesmente passado. O carnaval vem aí, o Cruzeiro foi campeão, o Galo fez
feio no Marrocos, a PM continua uma merda, o Lacerda rima, Mamis e Papis
fizeram 32 de casados e eu aqui, ainda na estrada, tão perto e tão longe de
quando ainda há de chegar um final.
Hoje, completo um mês aqui na
Ásia e lá se vão 140 dias na estrada. Dois continentes, oito países e mais ou
menos umas trinta cidades. Hoje, faço um mês de Ásia e nunca me senti
tão bem. Não sei como explicar, se é que há explicação pra certas coisas do
coração, mas estou diferente de ontem e o amanhã nunca esteve tão distante e
próximo e misterioso ao mesmo tempo. Se tivesse que nomear, talvez chamasse transformação. O tempo da Ásia me faz um cara melhor, me faz ver o
mundo e as pessoas de outra maneira, com certa dose de simplicidade e a certeza
de um dever jamais cumprido. Nos três meses bons que tive na Europa, conheci muitos lugares e poucas pessoas. Talvez pelo inglês ruim, talvez pela aparante timidez que transparecia quando me assentava sozinho ao fundo do restaurante sem que quisesse ser visto, talvez pelo frio ou porque eu precisasse mesmo de algum tempo para refletir sobre qualquer coisa que fosse. Em todas as vezes em que chorei, sorri, sofri ou me
amedrontei com o que o destino me reservava, nunca imaginei que um dia fosse
parar num lugar tão distante e feliz. Indonésia. Bali. Ubud. Tão longe de casa, tão
perto de mim.
Na próxima semana, volto para a
Tailândia. Na outra, talvez vá para o Laos. Amigos
queridos hão de ser bem-vindos nessa parte do caminho, ou o contrário, porque a
invasão nesse caso é minha. O mundo é de todo mundo, todo meu, todo seu, nosso,
ou ao menos deveria ser, e essa viagem é tampouco só minha. É dela própria e
traz consigo todas as questões que porventura tentei me esquivar no passado, ou
num passado não tão distante, o destino conduz as coisas à sua maneira com
maestria e tem me proporcionado quantos anjos ou companheiros lhe forem convenientes. E com vigor. Ontem, conheci pessoas. Anteontem, não. Hoje, mais amigos se foram. Amanhã, não
sei. Essa é uma das melhores partes: o não saber quase nada. Às vezes, quero
escrever, outras vezes não, na maioria do tempo quero simplesmente encontrar um
caminho. Não sei se encontrei, mas as minhas escolhas têm me feito um bem danado até
agora. E mesmo que eu saiba muito pouco, sei que estou aqui, agora e sinto
que preciso ser, e tão somente, e esse tempo impreciso tem me permitido mais
leve.
Ontem, fiz aula de culinária
balinesa. Fiquei bêbado outro dia e tenho visto muitos vídeos de carnaval. Pena
de Pavão de Krishna é o meu preferido. Já conheci templos, arrozais e
tomei o café mais caro do mundo, que sai do cocô de um bicho tipo o furão.
Estou na minha pousada agora. Decidi ficar em um lugar mais caro por alguns
dias, se é que cinquenta reais por um lugar gostoso com ar-condicionado,
silêncio, piscina e café da manhã pode ser considerado caro. Aqui, escrevo. Comprei um Buda amarelo e outro vermelho, acho que um pouco
do que tenho aprendido tem a ver com isso: à nossa maneira sempre vale mais à
pena. Mais coração, menos razão. Tenho tentado segui-lo, mesmo clichê, e me
permitido errar no meio do caminho quantas vezes forem necessárias. Hoje,
faço um mês de Ásia, mas parece que não. Na próxima semana, cinco meses
de viagem. E depois não sei.
"O meu olhar é nítido como um girassol.
ResponderExcluirTenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo…"